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Como afinal Fausto
não vendeu a alma ao Diabo
(mas esteve quase...)

de João Ventura

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No seu gabinete situado no topo do Departamento que dirige, Fausto, sentado frente ao computador, pesquisa o ciberespaço à procura de uma solução para o problema que atormenta o seu espírito de manhã à noite: descobrir uma forma de parar a inexorável caminhada para o caos final. Sim, Fausto procura a eterna juventude.

Não encontra respostas na Biologia, nem na Física, muito menos na Teologia ou na Metafísica. Mas continua incansável a sua busca incessante, para a qual tem desde há poucos dias um novo estímulo: viu Margarida, a nova estudante de doutoramento, atravessar a correr o relvado em frente ao edifício, no seu jogging diário, e ficou apaixonado pela graciosidade dos seus movimentos e pela perfeição do corpo da jovem.

Naquela noite, Fausto sente-se particularmente inquieto, a sua pesquisa não conduz a qualquer resultado e, num extremo de desespero, invoca o Senhor das Trevas.

Há um clarão que ilumina o gabinete com uma luz cegante e quando Fausto abre os olhos tem à sua frente uma criatura sorridente que, fazendo uma vénia, se apresenta:

— Mefisto, ao vosso serviço! Posso oferecer-vos a eterna juventude a troco de uma insignificante assinatura neste papel.

Nas mãos de Mefisto tinha subitamente aparecido uma folha escrita e uma caneta MontBlanc, já sem a tampa.

Fausto sempre ouviu dizer que o diabo sabe muito porque é velho, mas ele próprio também já não é novo. Assim, resolve questionar o seu visitante:

— E estás certificado segundo a norma ISO 10006? Inscrito na Ordem dos Notários, com capacidade para formalizar contratos de compra e venda de almas?

Mefisto hesita, e Fausto insiste:

— Em suma, como sei que tu és quem dizes que és?

Nessa altura um novo clarão ilumina o gabinete, o que Fausto pensa estar a tornar-se algo repetitivo. Existe agora um evidente cheiro a enxofre, e diante de Fausto está uma segunda criatura, parecida com a primeira mas maior, da qual emana uma aura de maior autoridade. Com uma voz que é como um trovão rolando, o visitante recém chegado diz:

— Mefisto Júnior, o que fazes aqui?

— Eu... eu... — gagueja o Júnior.

— Sabes que só depois de frequentar a unidade curricular “Relações com espécies inferiores” é que estás autorizado a ter contacto com humanos! Vais ficar de castigo na nuvem de Gabriel e depois falamos.

— No céu não, pai, por favor, no céu não!

— Silêncio! Já daqui para fora!

A voz ressoa de tal modo que faz tremer as estantes carregadas de livros. Mefisto Júnior desaparece numa nuvem de fumo.

— Voltando então a discutir negócios... — diz Mefistófeles, virando-se para Fausto com o melhor dos seus sorrisos.

— Um momento — diz Fausto — as tuas credenciais.

— Credenciais?

— Sim, um documento passado por uma autoridade superior que ateste quem tu és.

— Autoridade superior?

Fausto aponta calma e lentamente com o dedo indicador para cima. Mefistófeles não quer acreditar.

— Ir pedir-Lhe um atestado? A Ele? Nem pensar!

E desaparece com um enorme estrondo.

O cheiro a enxofre é agora mais intenso. Fausto vai abrir a janela para arejar o gabinete.

Fausto recorda-se de um professor que teve na universidade, e da forma como ele resumia as duas principais leis da Termodinâmica. Primeira lei: Nunca podes ganhar. Segunda lei: Não podes sequer empatar. Então a única solução é apenas tentar retardar a degradação.

Deixa de fumar.
Começa a fazer dieta.
Dá início a exames médicos regulares.
Passa a ir diariamente ao ginásio.

Mas continua a suspirar sempre que vê passar Margarida a fazer jogging...


Existem algumas pequenas diferenças entre as versões em português e em inglês desta história. Opiniões de leitores bilingues sobre qual das versões preferiram serão benvindas.

Copyright © 2014 by João Ventura

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